terça-feira, 1 de janeiro de 2019

ENTRE PLURALISTAS E MONISTAS: O SER, DE PARMÊNIDES À TOMÁS DE AQUINO

PS: Este texto não é originalmente e exclusivamente meu mas sim uma síntese que fiz dos escritos que deixei na bibliografia ao final.

INTRODUÇÃO


    A natureza da Physis dos pré-socráticos, ou, a cosmologia, se transformaram em uma ontologia com Parmênides, fundador da Escola Eleática: a ontologia do “Ser” (o que pode ser conhecido deve ser – e nada mais pode ser¹), ou, o próprio princípio da verdade absoluta.
O Ser é e não pode não ser; o não-Ser não é e não pode ser.
    O problema deixado por Parmênides, deriva do fato de que o Ser não pode surgir do – ou derivar o – não-Ser, e vice versa. Assim, o movimento não existiria, por que as coisas que existem são, e as que não existem não são. O Ser, a verdade, é imutável, imóvel, incorruptível e eterna. Porém, o movimento de fato existe! Cabe às gerações subsequentes resolver este mistério deixado pela razão. 

    Ainda há um outro problema mais especifico: para Parmênides, só há um Ser, pois se houvessem dois deveriam se diferenciar pelo seu não-ser – pois, pelo Ser não há diferenciação, seriam idênticos –, mas o não-ser é o mesmo que nada ser, ou não existir, por tanto é impossível haver mais de dois seres. Levando o debate à outra área, o argumento de Parmênides sustenta o Monismo (afirma que toda a realidade constitui um só todo — que só existe um ser —, o Pluralismo, em contraste, crê que existe uma variedade de seres: Deus é um ser infinito, e criou muitos seres finitos que não se assemelham a Ele, embora eles dependam dele.

1. O SER NO ELEATISMO

    O fundador da escola eleática, Parmênides, deu início à noção ontológica do Ser, a qual é o primeiro fundamento para axiomas lógicos como, por exemplo, o princípio da não contradição, de Aristóteles. Mas como vimos também, essa noção trouxe consigo enigmas, como a impossibilidade do movimento e da multiplicidade.

    Melisso, discípulo, ou seguidor, de Parmênides, enfatizava a natureza una do Ser: por não se limitar com um vazio(não-ser), deve ser infinito, e por ser infinito, deve ser Uno.
Com efeito, se fossem dois, não poderiam ser infinitos, pois um deveria ter seu limite no outro.
    Chegou no entanto, à uma conclusão quase parecida com a que Tomás de Aquino chegaria muito posteriormente, com a qual concluirei este texto logo mais: o hipotético múltiplo poderia existir apenas se pudesse ser como o Ser-Uno.
Se muitos existissem, cada um deles deveria ser como é o Uno.
    Mas a escola eleática acaba por negar os fenômenos (movimento, multiplicidade). Zenão, outro da escola eleata, formula diversos argumentos (os famosos paradoxos de Zenão) para reafirmar esta negação, concluindo que tais fenômenos são ilusórios, complicando ainda mais seus opositores contemporâneos e filósofos posteriores, tanto é que, com relação à Parmênides, Platão expressando seu fascínio por sua filosofia, chega a denomina-lo como “venerando e terrível”.

2. O SER NO ATOMISMO

    Como vimos, o Ser “parmenidiano”, ou eleático, além de negar a ocorrência de fenômenos, nega a multiplicidade de Seres, dando status ontológico à somente um Ser, o Ser-Uno.

    Os atomistas são os primeiros pluralistas a tentar dar uma resposta e conciliar a aparência dos sentidos (pois vejo que realmente há movimento) com a razão (pois é uma verdade intuitiva que o princípio da não-contradição, derivado do Ser, esta correto).

    Leucipo e Demócrito, fundadores da escola Atomista, retornam à natureza da Physis (princípio primeiro que deus origem à tudo), descobrindo o conceito de “átomo”, isto é, forma originaria (átomo-forma), forma indivisível. Diferente do conceito físico contemporâneo, pois como forma, a noção de átomo aos atomistas gregos é visível somente ao intelecto. Sendo assim, a “forma pensável” que fundamenta a realidade, isto é, o átomo, é o mesmo que Ser, e por ser muitos os constituintes, há múltiplos seres-átomos, e por necessidade, entre os seres-átomos, há o vazio (não-ser), por que sem vazio, os átomos-formas não poderiam diferenciar-se nem mover-se: o não ser é o vácuo entre os átomos, e o átomo por sua vez, tomado em sua forma individual, é o Ser. Por tanto, o que diferenciava o Ser, e permitia a existência da multiplicidade do Ser é o não-ser, o vácuo, vazio.

    Porém, a diferença entre os seres em si ainda não existia, pois a diferenciação estabelecida era meramente extrínseca pelo vácuo. Isto foi também a proposta de Melisso: há múltiplos seres, mas cada um é igual ao Ser-Uno (todos como uma unidade só).
Além do mais, diferenciar-se pelo nada (vácuo: não ser) é não ter diferença nenhuma, em absoluto. E não ter diferença nenhuma significa ser absolutamente a mesma coisa.
   
    No que tocava o vazio, os argumentos de Parmênides pareciam ser reforçados (e por conseguinte, mais difíceis de se refutar) pela descoberta de que, onde não parece haver nada, há ar (sendo refinada pelas descobertas da física moderna de que no vazio, no vácuo absoluto, há um "mar"  de energia, ondas de luz e partículas virtuais: chamado de "vácuo quântico). Numa sublime resposta de Aristóteles:
A teoria de que o vazio existe exige a existência do lugar, pois seria o vazio definido como lugar destituído de corpo. (Física, 208b)
    Por tanto, os atomistas não fornecerem uma resposta satisfatória. Os atomistas se encontram ainda entre os pré-socráticos, e próximo a tentar responder a este dilema, é nada mais que o próprio Platão.

3. PLATONISMO

    Como bem enfatizou Melisso, 
se houvessem dois seres, eles deveriam se diferenciar pelo não-ser, por que se eles se diferenciassem pelo Ser na verdade não haveria diferenciação, seriam idênticos, mas como o não-ser é a mesma coisa que não existir, também não há diferenciação. Como então, as aparentes múltiplas Formas (seres) poderiam se diferenciar, uma vez que eram absolutamente simples?

   Para Platão, todas as formas do mundo natural, dos sentidos, eram formas imperfeitas, cópias das formas perfeitas do mundo das ideias (dai advém sua famosa analogia dos escravos na caverna). Por exemplo: por mais perfeito que um circulo, esfera, bola, etc. possa parecer aos sentidos, a mesma forma, mas como abstração (imaginar um circulo), sempre sera mais perfeita; cada ser humano específico deste nosso mundo participa de uma forma universal de humanidade no mundo das idéias: todas as coisas tem um arquétipo ideal por detrás delas.

    Assim, Platão acreditou ter resolvido a inconsistência do Ser absoluto em participação com múltiplos seres, pois acreditava que as formas imperfeitas dos fenômenos (acessíveis aos sentidos) se diferenciavam por um princípio de não-ser relativocada forma, do mundo sensível, se diferenciava das outras, no sentido de que ela não era a outra forma, ao passo que todas elas, enquanto Ser, tinham uma co-participação com o Ser absoluto, Ser-Uno, que é a forma ideal de todas as formas. Por exemplo: a cadeira se distingue de todas as outras peças de mobília em um a sala, no sentido em que ela não é um a mesa, não é o piso, não é-a parede etc. ela é algo em si, mas ela não é nada em relação às outras coisas. 

    Quase parecido com a objeção aos atomistas, poderíamos nos perguntar se havia alguma diferença nos próprios seres. Não havendo, todos seriam, necessariamente, idênticos. O problema continua.

4. O SER NO ARISTOTELISMO

    Contrariando Melisso, tanto os atomistas quanto Platão tentaram diferenciar as coisas pelo não-ser. Mas, diferenciar-se pelo nada é não diferenciar-se por coisa alguma. A partir de Aristóteles, e depois em Tomás de Aquino, houve a tentativa de rever a diferença entre os próprios seres.

    Aristóteles argumentava a respeito da existência de uma pluralidade de seres, ou movedores não-movidos (dai advém o argumento do motor imóvel, incorporado posteriormente à vias de Tomás de Aquino para existência de Deus), e
sustentou que estes seres são metafisicamente simples que estão separados entre si pelo seu próprio ser.

    Estes seres (movedores) eram a causa de todo o movimento no mundo, cada um operando no seu domínio cósmico separado. Sendo mais especifico, Aristóteles detectou 
uma pluralidade de quarenta e sete ou cinqüenta e cinco seres.

    O problema: como eles se diferenciavam pelo seu próprio Ser?

4. O SER NO TOMISMO

    Tomás de Aquino, em comum com Aristóteles, buscava encontrar diferenças entre os próprios seres. Mas diferentemente de Aristóteles, a qual sustentara que os seres seriam metafisicamente simples, Aquinate sustentava haver formas de ser.

    Na diferenciação das formas de Ser de Tomás de Aquino, há seres que são metafisicamente compostos (como os humanos), mas também há um Ser metafisicamente simples: o Ser-Uno, o próprio Deus.

    Em resposta à pergunta anterior dirigida à Aristóteles, os seres podem se diferenciar em sua essência por que pode haver diferentes formas de seres. Os seres finitos podem se diferenciar uns dos outros à medida que a sua potencialidade é plenamente atualizada (com o no caso dos anjos), ou à medida que ela está sendo progressivamente atualizada (com o no caso dos seres hum anos). Os seres finitos são compostos assim por potencia e ato, o Ser infinito é puro ato. Em todas as criaturas, a sua essência é, de fato, distinta da sua existência. Em Deus, por outro lado, tanto a sua essência quanto a sua existência são idênticas.

    As coisas se diferenciam no seu ser por haver diferentes formas de seres. Parmênides considerou que o “ser” deve ser sempre considerado de forma unívoca (da mesma forma). Aquino, por outro lado, percebeu que o “ser” é análogo, como Melisso já tivera percebido.

    Assim, para Tomás de Aquino, as coisas se diferenciam umas das outras pelo tipo de ser ou realidade que apresentam, a multiplicidade é possível em função da existência de diferentes tipos de seres. Isto é possível por que os seres apresentam dentro de si uma distinção real entre a sua existência e a sua essência: um Ser simples pode (e, na verdade, deve) se diferenciar dos seres complexos, já que ele não apresenta a potencialidade que estes têm  Portanto, pode haver somente um ser puro e simples, ao passo que existe uma variedade de seres com uma mistura de ato e potência. Só um deles é o Ser; todos os demais têm o ser.



BIBLIOGRAFIA
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1. SÓCRATES - UM HOMEM DO NOSSO TEMPO, PAUL JOHNSON (pg. 53)
2. HISTÓRIA DA FILOSOFIA 1, GIOVANNI REALE (pg. 51)
3. TEOLOGIA SISTEMÁTICA 1, NORMAN GENSLER (pg. 19)
4. HISTÓRIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL, BERTANDO RUSSELL (pg. 116, 117)

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