sexta-feira, 27 de abril de 2018

ARGUMENTO ONTOLÓGICO DE ANSELMO E MODAL DE PLANTINGA


Sabidamente, a formulação original do assim chamado argumento ontológico está no Proslógio, de Anselmo de Cantuária (1033-1109), escrita em torno de 1077, ou seja, no século XI. A versão mais popular desse argumento pode ser apresentada com significativas simplificações. Ponto de partida é a definição de Deus como aquele do qual nada maior pode ser pensado. Nesses termos, Deus deve ser concebido como o Ser Maior, portador de todas as perfeições (bondade, beleza, justiça, etc.) em máximo grau. Cabe, então, a pergunta: pode Deus existir apenas na inteligência do homem? Não! Se Deus existisse só no pensamento humano, seria possível que se pensasse em um outro ser, com todas as propriedades do primeiro, e que, adicionalmente, existisse também na realidade. Ou seja: esse outro ser seria maior do que o primeiro, por ter a existência real como uma perfeição a mais. Nesse caso, entretanto, instala-se uma contradição: Deus é o ser do qual nada maior pode ser pensado, mas é possível pensar-se em outro ser que é maior do que Deus. A simples hipótese de que Deus existe só no pensamento humano conduz a um resultado contraditório, o que prova que ela é falsa. Logo, Deus não pode existir tão somente no pensamento, mas está presente também na realidade (Anselmo, 1973, p. 107-9).

Quando ainda era abade em Bec, na França, Anselmo recebeu de seus monges o pedido de formular um argumento puramente racional para provar a existência de Deus, sem apelo às Escrituras ou a dogmas de fé, mas dotado de conceitos e raciocínios que qualquer pessoa mentalmente sã pudesse entender e admitir. Por isso mesmo, o argumento ontológico tem a pretensão de ser a priori, no sentido de desenvolver-se exclusivamente no plano do pensamento.¹
O nome "argumento ontológico" é de conhecimento recente, atribuído por Kant, e a versão mais famosa deste argumento atualmente é a de Alvin Plantinga, conhecido por "argumento ontológico modal". Muitos atribuem a versão de Plantinga como provavelmente, um dos mais poderosos argumentos lógico-dedutivos a favor da existência de Deus. Ele acrescenta ao argumento de Anselmo as leis da lógica modal que age semelhante a uma prova matemática, assim, basicamente tenta provar a existência de Deus apenas com o auxílio do raciocínio abstrato. Talvez seja por isso que muitas pessoas têm dificuldade em entendê-lo e, por isso, o descartam logo de cara. Mas é de interesse curioso o fato de que nem Alvin Plantinga atribui ao argumento o status de "provar a existência", mas somente, o de que ele da somente uma "razoabilidade à crença". Também é curioso o fato de que é unanime, entre filósofos(sejam eles, ateus, teístas, agnósticos...), de que o argumento é valido, isto é, sua estrutura: sendo verdadeiras as premissas segue-se que necessariamente será verdadeira a conclusão. O que não é unanime, é se ele é um argumento forte para provar a probabilidade da existência de Deus ou da razoabilidade da crença em Deus. 

Antes de verificarmos o argumento, é necessário uma compreensão mínima de alguns conceitos para seu entendimento. Então, para que você possa entende-lo:

  • Devemos ter em mente que duas coisas são necessárias para que aceitemos que uma determinada coisa possa existir: Ausência de incoerência e ausência de contradições lógicas. 
  • Noção de mundos possíveis: Se uma situação é possível de ocorrer ou de ter ocorrido, dizemos que ela é possível em algum mundo. Ou seja, em um mundo possível, Hitler ganhou a segunda guerra, unicórnios existem(sem apelo à magia de seus chifres), etc. Lógico, são situações hipotéticas e não se deve confundir com o mundo real, desta forma, devemos entender a ideia de mundos possíveis como mundos logicamente possíveis, isto é, não há o por que negar que seria uma situação possível de ter ocorrido.
  • Propriedades de Ser ou objeto impossível (Significa que não existe em nenhum mundo possível), contingente (Existe em alguns mundos possíveis), necessário (Tem que existir em todos os mundos possíveis).
  • A Lógica modal é uma lógica de possibilidade (representada pelo símbolo ◊) e da necessidade (representada pelo símbolo □). Ela foi apresentada brevemente no artigo anexado em "mundos possíveis", logo acima.

1. http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/10356/0




O ARGUMENTO ONTOLÓGICO DE ANSELMO

Anselmo de Cantuária ou, Santo Anselmo, foi um grande filósofo escolástico. Além de sua formulação do argumento ontológico para existência de Deus, ajudou também consideravelmente na formulação de uma teoria da expiação, como explica William Lane Craig em sua resposta #472:

Aqueles que foram educados na teologia protestante talvez fiquem surpresos em aprender que a maioria dos Pais das Igrejas, de fato, tinham a visão de que a morte expiatória de Cristo foi desnecessária. Na visão deles, um ser onipotente como Deus tem o poder para perdoar pecados sem a necessidade de qualquer meio de expiação. Não foi até Anselmo (o criador do argumento ontológico!), no século XI, que a necessidade da morte de Cristo recebeu forte articulação e defesa. Para Anselmo, foi a honra de Deus, manchada por homens pecadores, que precisava ser satisfeita. Um Deus que simplesmente perdoou pecados sem satisfação pelas ofensas não preservaria a sua honra desse modo, o que é impossível. A teoria de Anselmo da expiação conecta poderosamente com a cultura de honra/vergonha do Oriente Antigo e então teria ressonado entre os judeus do primeiro século.
Santo Anselmo apresenta seu argumento ontológico em uma obra chamada "Proslógio", mas antes dela, já tivera escrito outra obra chamada "Monológio", com as mesmas intenções: provar a existência de Deus. O motivo de ter escrito uma segunda obra é de que a primeira era complicada de se entender, afirma Anselmo: "dei-me conta de que essa obra era difícil de ser entendida devido ao entrelaçamento das muitas argumentações". 

Durante séculos o argumento “ontológico” não teve essa denominação. Tanto Anselmo quanto Descartes lhe caracterizavam apenas como meum argumentum – meu argumento. Leibniz fala apenas de um argumentum dudum inter Shcolasticos celebre et a Cartesio renovatum – um argumento muito celebrado entre os escolásticos, agora renovado por Descartes. O primeiro a descrever o argumento como ontológico foi Kant.¹
Seu argumento pode ser estruturado da seguinte forma:
  1. Deus é o ser do qual não é possível pensar nada maior.
  2. Coisas existem apenas na inteligencia, ou na inteligencia e na realidade.
  3. É maior para um ser, existir na inteligencia e na realidade do que apenas na inteligencia.
  4. Portanto, Deus existe na inteligencia e na realidade.
Vamos analisar cada premissa:
1. Em seu argumento, Anselmo define Deus como "o ser do qual não é possível pensar nada maior", definição aparentemente consistente, por isso, adotada até hoje por teístas. Há alguma contradição ou motivo para não adotar esta definição? aparentemente não. Mesmo que o ateu negue a existência de Deus, ele compreende as palavras o ser do qual não é possível pensar nada maior, mesmo não admitindo sua existência na realidade, esta evidenciando sua existência na inteligencia.
2. Ele ilustra que algo pode existir somente na inteligencia, sem existir na realidade: Um pintor, por exemplo, já tem em sua mente a obra que pretende pintar antes de executá-la, mas nada compreende de sua existência real, pois ela ainda não existe. Somente quando a tiver pintado é que ele compreenderá também sua existência (ANSELMO, 1988, p. 102). Assim, uma coisa, ou existe somente na ideia, ou existe tanto na ideia quanto na realidade.
3. Se o ser do qual não é possível pensar nada maior existe na inteligencia, seria contraditório não existir na realidade, pois, se não o for, não será o ser do qual não é possível pensar nada maior pois assim poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; e que seria maior” (ANSELMO, 1988, p. 102).
4. Logo, conclui Anselmo, “o ser do qual não é possível pensar nada maior existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade” (ANSELMO, 1988, p. 102). 


Já contemporâneos de Anselmo o teria lançado [possíveis] objeções contra, como o monge Gaunilo. Suas objeções podem ser resumidas em uma ideia:

  1. O argumento ontológico permite que qualquer coisa maximamente excelente exista.
  2. É inconcebível que existam várias coisas maximamente excelentes.
  3. Portanto, é inconcebível que o argumento ontológico permita a existência de tais coisas.
Um exemplo que Gaunilo da é o da ilha maximamente grande. Segundo ele, é possível conceber um ilha maximamente perfeita, tal que nenhuma outra possa ser pensada. Se for possível concebê-lá, então ela deve existir, mas sabemos que não existe tal coisa como uma ilha maximamente perfeita, e então ela não deve existir. Desta forma, Gaunilo conclui que também um ser tal que nada maior pode ser pensado não deve existir. A resposta de Anselmo consiste em ressaltar que seu argumento não pode ser aplicado a nenhuma outra coisa com exceção do ser do qual nada maior pode ser pensado. Ilhasou qualquer outro objeto são contingentes, não necessários, por tanto este argumento só pode estabelecer a existência deste ser supremo, e de nada mais. Segundo Anselmo, uma ilha tal que nenhuma outra possa ser pensada é inconcebível na realidade, porque por mais que hajam muitas dançarinas nesta ilha, mais dançarinas poderiam ser adicionadas, de modo que não há um limite de grandeza para tal coisa.


1. http://faje.edu.br/periodicos/index.php/pensar/article/view/3655



O ARGUMENTO ONTOLÓGICO MODAL DE ALVIN PLANTINGA 

Alvin Plantinga é tido, ao lado de Richard Swinburne, como o principal filósofo da religião do mundo. É considerado pela revista Time, como a figura central em uma revolução silenciosa que trouxe a respeitabilidade da crença em Deus entre filósofos acadêmicos.¹ É Ph.D. em filosofia pela Universidade de Yale e atual ocupante da cadeira John A. O'Brien de filosofia na Universidade de Notre Dame. Além de sua versão modal do argumento modal, Plantinga desenvolveu também o argumento evolucionário contra o naturalismo, é o principal responsável em trazer o molismo à adesão em larga escala, teoria esta como uma alternativa ao arminianismo ou calvinismo e ainda lidera um dos avanços mais empolgantes no campo da epistemologia religiosa: a tendência, de defender a racionalidade da crença teísta não se baseando em argumento, mas com o que ele chama de crença “apropriadamente básica”.

Todos esses argumentos de Plantinga influenciaram bastante William Lane Craig, que tem o titulo de maior apologista (defesa da fé cristã) atualmente, de fato, 
ele disse que Alvin Plantinga é o seu filosofo de maior inspiração. Quanto ao argumento ontológico modal, na resposta #463 ele diz:  
Como você, eu estava há anos cético sobre o argumento ontológico. No máximo, ele serviu para mim como um modelo para Deus, o conceito de um maior ser concebível, o que implicou que a necessidade metafísica desse ser. Não foi até que eu li defesa de Alvin Plantinga do argumento em seu livro The Nature of Necessity [A Natureza da Necessidade] (Oxford: Clarendon Press, 1974) e as reações a ele que eu, para minha surpresa, tornei-me convencido de que este é realmente um bom argumento em favor da existência de Deus.
E na resposta #461:
esta pergunta que inquietava a Santo Anselmo. Ele queria encontrar um único argumento que comprovasse a existência de Deus em toda Sua grandeza. Ele estava prestes a desistir, quando descobriu seu argumento ontológico. Este argumento, caso bem sucedido, comprova a existência do maior ser concebível. Penso que o argumento ontológico é um argumento sólido a favor da existência de Deus. Mas não o vejo como um argumento isolado, ele também é parte do caso teísta cumulativo, pois outros argumentos teístas fornecem razão para pensar ser possível existir o maior ser concebível, a qual é a premissa chave do argumento ontológico.
Alvin Plantinga expõe seu argumento ontológico modal em seu livro chamado The Nature of Necessity (1974). Neste livro, Plantinga tenta mostrar que este argumento é válido e é racional acreditar na sua premissa principal, ou seja que “há um mundo possível em que a máxima grandeza é instanciada”.
Vale a pena sublinhar que Plantinga no capítulo 10 do livro The Nature of Necessity (1974) apresenta duas versões do seu argumento ontológico modal. A versão mais complexa, que envolve algumas noções metafísicas que podem ser controversas, como a noção de “propriedade mundo-indexada” e de “essência”, aparece nas páginas 213-116. A versão mais simples do argumento, em que não recorre a tais noções metafísicas, surge nas páginas 216-217.²
Logicamente me limitarei a versão simples. 

Diferentemente de Anselmo, Plantinga atribui a Deus, não "o ser do qual não é possível pensar nada maior", mas recorre às propriedades de ser maximamente grandioso e de ser maximamente excelente, isto é, ele apresenta o grau máximo de toda qualidade possível.
Plantinga concebe Deus como um ser que é "maximamente excelente" em todos os mundos possíveis. Plantinga leva a excelência máxima para incluir propriedades como onisciência, onipotência e perfeição moral. Um ser que tenha a excelência máxima em todos os mundos possíveis teria o que Plantinga chama de "grandeza máxima".³
 Seu argumento pode ser estruturado da seguinte forma:
  1. É possível que um Ser de Grandeza Máxima(SGM) exista.
  2. Se é possível que um SGM exista, então ele existe em algum mundo possível.
  3. Se um SGM existe em algum mundo possível, ele deve existir em todos os mundos possíveis.
  4. Se um SGM existe em todos os mundos possíveis, ele existe no mundo real.
  5. Se um SGM existe no mundo real, então ele existe.
  6. Portanto, um SGM existe.
Vamos analisar cada premissa:
1. Plantinga admite que não conhece argumentos convincentes a favor nem contra (1). Mas, mesmo assim, considera que não há nada de irracional em aceitar-se (1) como verdadeira, mesmo não havendo argumentos convincentes a seu favor.² Por não ser algo contraditório ou irracional, afirmamos que esta premissa é válida.
2. Em algum mundo possível existe um Ser de Grandeza Máxima.
3. Como o no argumento de Anselmo, o ser do qual não é possível pensar nada maior existe na inteligencia, seria contraditório não existir na realidade, o Ser de Grandeza Máxima não seria realmente grande se não existisse em todos os mundos possíveis pois entraria em uma contradição. 
4. Se o Ser de Grandeza Máxima existe em todos os mundos possíveis, ele existe no mundo atual, pois nosso mundo também faz parte do conjunto de mundos possíveis, mas é o mundo onde as possibilidades se colapsaram e manifestou somente uma dentre todas. 
Como exemplo ilustrativo, veja sobre o experimento mental do gato de Schrödinger ou mais especificamente sobre o estado de sobreposição quântica. 
5. Se Ser de Grandeza Máxima existe no mundo atual, obviamente o Ser de Grandeza Máxima existe. 
6. Segue-se logicamente que o Ser de Grandeza Máxima existe.
Em suma, Plantinga defende que o seu argumento estabelece a aceitabilidade racional da existência de Deus, pois uma vez que é racional aceitar a sua principal premissa, é racional aceitar a sua conclusão.² 

1. https://pt.reasonablefaith.org/artigos/escritos-academicos/introducaeo-a-ressurreicaeo-do-teismo/
2. http://artigos.domingosfaria.net/dfaria2016modal.pdf
3. https://pt.reasonablefaith.org/artigos/pergunta-da-semana/lutando-com-o-argumento-ontologico


OUTRAS VERSÕES DO ARGUMENTO ONTOLÓGICO

Muitos outros filósofos e matemáticos formularam suas versões do argumento ontológico, como Leibniz
DescartesSpinoza ou Gödel. Apesar de a maioria ja ter sido respondidos, é notável a grandiosidade, tanto histórica quanto lógico-filosófica do argumento
O argumento de Anselmo nunca foi bem aceito por teólogos. Criticado por Gaunilo logo à época de sua publicação, ele foi esquecido até meados do século XIII, quando Tomás de Aquino o rejeitou de uma vez por todas. Entre os filósofos, contudo, seu destino foi diferente. Sua constante presença na filosofia moderna alcançou o máximo de influência ao constituir, na leitura de Russell (1945, p. 417), a base de todo o sistema hegeliano. Seja válido ou não, concordamos com as palavras de Bertrand Russell: um argumento com uma história tão significativa certamente deve ser tratado com respeito


1. http://faje.edu.br/periodicos/index.php/pensar/article/view/3655

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VEJA TAMBÉM:

AUDIOLIVRO - "Proslógio (Meditação)". Santo Anselmo de Cantuária (1033-1109).
https://youtu.be/hjy79P7CzQQ

Como funciona o Argumento Ontológico?
https://www.youtube.com/watch?v=La4tOjJy5eA


É possível que Deus exista? Então Ele deve existir - O Argumento Ontológico Modal
http://pacocapessoal.tumblr.com/post/86160948011/%C3%A9-poss%C3%ADvel-que-deus-exista-ent%C3%A3o-ele-deve-existir

O Argumento Ontológico
https://medium.com/@vit00rmatias/o-argumento-ontológico-e39af897aa7c

ARGUMENTO ONTOLÓGICO E A LÓGICA MODAL
http://logosapologetica.com/o-argumento-ontologico-e-logica-modal/#axzz5DvEmgsvO

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