sábado, 9 de junho de 2018

O QUE É FILOSOFIA? - B. Mondin

Academia de Platão. Pintura de Rafael Sanzio (1510).

O homem, diz se, é naturalmente filosófico, “o amigo da sabedoria”. E é verdade. Ávido de saber, não se contenta em viver o momento presente e aceitar passivamente as informações fornecidas pela experiência imediata, como fazem os animais. Seu olhar interrogativo que conhece o porquê das coisas, sobretudo o porquê da própria vida.

Mas enquanto o homem comum, o homem da rua, formula estas interrogações e enfrenta estes problemas de maneira descontínua, sem método e sem ordem, pessoas há que se dedicam a estas pesquisas todos o seu tempo e todas as suas energias, e propõem-se a obter uma solução concludente para todos os ingentes problemas, que espicaçam a humana, através de uma análise aprofundada e sistemática. São estas as pessoas que costumamos chamar “filósofos”.

Mas então, o que é exatamente a filosofia?

É um conhecimento, uma forma de saber e, como tal, tem sua esfera particular de competência; sobre esta maneira de busca busca adquirir informações válidas, precisas e ordenadas. Mas enquanto é fácil dizer qual é a esfera de competências das várias experiências científicas, não é igualmente cômodo delimitar o campo de pesquisa próprio da filosofia. É sabido, por exemplo, que a botânica estuda as plantas, a geografia os lugares, a história os fatos, a medicina as doenças etc. Mas a filosofia, que estuda ela? No entender dos filósofos, ela estuda tudo. Aristóteles, o primeiro a pesquisar rigorosamente e sistematicamente a natureza desta disciplina, diz que a filosofia estuda “as causas últimas de todas as coisas ”. Cícero a filosofia como sendo “ o estudo das causas humanas e divinas das coisas" Descartes afirma que a filosofia “ ensina a bem raciocinar ”. Hegel concebe uma filosofia como " sabre absoluto ". Whitehead julga que seja tarefa da filosofia “ fornecer uma explicação orgânica do Universo ”. Poderíamos citar muitos outros filósofos que definem uma filosofia como o estudo do valor do conhecimento, quer como pesquisa sobre o fim último do homem, quer como estudo da linguagem, do ser, da história, da arte, da cultura, da política etc. Com efeito efeito, coerentes com estas definições discrepantes, os filósofos estudaram todas as coisas. Devemos, pois, concluir que a filosofia estuda tudo? Sem dúvida. Isto por duas razões.

Em primeiro lugar, por que todas as coisas, além de poderem ser examinadas a nível científico, podem sê-lo também um nível filosófico. Assim, os homens, os animais, as plantas, a matéria, já estudados por muitas ciências e sob diferentes pontos de vista, são suscetíveis também de uma pesquisa filosófica. Com efeito, cientistas se interrogam sobre a constituição da matéria, perguntam-se o que é a vida, como estão estruturados os animais e o homem, mas não chegam a enfrentar cetos problemas também referentes ao homem, aos animais, às plantas, à matéria: por exemplo, o que seja o existir. Especialmente com relação ao homem, do qual as ciências estudam múltiplos aspectos, são muitos os problemas que nenhuma delas enfrenta (enquanto os supõe já resolvidos), como o valor da vida e do conhecimento humano, a liberdade, a natureza do mal, a origem e o valor da lei moral. Somente a filosofia se ocupa destes problemas.
Em segundo lugar, por que enquanto as ciências estudam esta ou aquela dimensão da realidade, a filosofia tem por objeto o todo, a totalidade, o Universo tomado globalmente.
Eis, pois, a primeira característica que distingue a filosofia de qualquer outra forma de saber: ela estuda toda a realidade ou, de algum modo, procura apresentar um explicação completa e exaustiva de um domínio particular da realidade.

Mas há também outras três qualidades que contribuem para dar ao saber filosófico um caráter próprio e específico: o instrumento de pesquisa, o método e o escopo.

O instrumento de trabalho, de pesquisa, de análise de que a filosofia se utiliza é a razão, a razão pura, o “raciocínio puro”, como diz Platão. Ela não dispõe de microscópio, telescópios, maquinas fotográficas etc. Não pode estabelecer controles com instrumentos matemáticos nem apressar suas operações recorrendo a computadores. Mesmo os instrumentos cognitivos de que se utiliza todo o homem e todo cientista, os sentidos e a imaginação, ao filósofo só servem na fase inicial, para conseguir alguns conhecimentos do real, para o qual depois volta o olhar penetrante da razão. O trabalho verdadeiro e próprio da pesquisa filosófica é realizado apenas pela razão; esta, para subtrair-se a todo tipo de distração, encerra-se em seu sagrado recinto, longe do barulho das máquinas, da sedução dos prazeres e da práxis, da confusão dos sentidos, em solitária companhia com o próprio objeto.

O método da filosofia é essencialmente raciocinativo, embora não exclua algum momento intuitivo (quer na fase inicial, que na final). Mas os processos raciocinativos são múltiplos, e os mais importantes dentre eles são a indução e a dedução. A filosofia utiliza ambos: o primeiro, para ascender dos fatos aos princípios primeiros; o segundo, para descer de novo dos primeiros princípios e iluminar posteriormente os fatos, para compreendê-los melhor.

Além da natureza e do método, a filosofia se distingue das ciências também no fim (escopo). A filosofia não está voltada para fins práticos e interesseiros, com a ciência, a arte, a religião e a técnica; estas, de um modo ou de outro, sempre têm em vista alguma satisfação ou alguma vantagem. A filosofia tem como único objetivo o conhecimento; tem em vista simplesmente pesquisar a verdade em si mesma, prescindindo de eventuais utilizações práticas. A filosofia tem um objetivo puramente teórico, ou seja, contemplativo; não pesquisa por nenhuma vantagem que lhe seja estranha, mas por ela mesma; por isso, como disse egregiamente Aristóteles na Metafísica (A, 2, 982b) ela é “livre” enquanto não esta sujeita a nenhuma utilização de ordem prática, e portanto se realiza e se resume na pura contemplação do verdadeiro.

Já dissemos anteriormente que todas as coisas são suscetíveis de pesquisa filosófica. Por isso, pode haver uma filosofia do homem, dos animais, do mundo, da vida, da matéria, dos deuses, da sociedade, da politica, da religião, da arte, da ciência, da linguagem, do esporte, do riso, do jogo etc. Mas, na realidade, os que se chamam filósofos estudaram de preferência apenas alguns problemas, os que são conhecidos com o nome de lógica, epistemologia, metafísica, cosmologia, ética, teodiceia, psicologia, política, estética, antropologia cultural e axiologia; por isto estas constituem também a parte principais da filosofia. A lógica se ocupa do problema da exatidão do raciocínio; a epistemologia, do valor do conhecimento; a metafísica, do fundamento das coisas em geral; a cosmologia, da constituição essencial das coisas materiais, da sua origem e de seu devir; a psicologia, da natureza humana e de sua faculdade; a teodiceia, do problema religioso, ou seja, da existência e da natureza de Deus e das relações que os homens têm com ele; a ética, da origem e da natureza da lei moral, da virtude e da felicidade; a politica, da origem e da estrutura do Estado; a estética, do problema do belo e da natureza da arte; a antropologia cultural , do problema da cultura; uma axiologia , do problema dos valores.

Quem quer torna-se especialista nas disciplinas filosóficas deve, logicamente , estudar, profunda e sistematicamente, todos os problemas mencionados, sob cada um dos quais, através dos séculos, se acumulou uma bibliografia imensa. […]


“INTRODUÇÃO À FILOSOFIA” (PAGINAS 5-7)

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